A greve de fome do primeiro-ministro – autonomia x neocolonialismo

Há seis dias que o ministro-presidente de Aruba, Mike Eman, está de greve de fome. Os turistas que estão na ilha já devem ter percebido a multidão de gente acampada em frente ao gabinete do governador, do outro lado da marina. Para explicar os motivos que levaram a esse impasse, eu vou contar aqui um pouco sobre a autonomia de Aruba e a sua posição no reino holandês.

No meu primeiro post aqui no blog, em 2011, eu já comentava que  Aruba tem, desde 1986, um status diferenciado dentro do reino: ele recolhe seus impostos e decide o que fazer com eles. Esse status é conhecido como status apart. A Holanda não manda dinheiro para Aruba e Aruba não manda dinheiro para a Holanda. Essa situação é totalmente diferente das outras 5 ilhas caribenhas que fazem parte do reino holandês.

Aruba, assim como a Holanda, tem um sistema parlamentário, onde existe um primeiro-ministro (chamado de ministro-presidente), eleito pelo povo, que é o chefe de governo e um governador, que é o representante do rei na ilha e é o chefe de estado. A função dele, assim como a do rei, é de fazer um papel protocolar. Ele não pode expressar opinião política, deve assinar tudo o que o parlamento (que é o órgão máximo de autoridade na ilha) decide e participar de solenidades oficiais. Aí começou o problema. O governador de Aruba, apesar de não poder expressar opinião política, é conhecido por ter amizades com o partido de oposição. Como eu expliquei no meu post sobre as eleições, Aruba tem um partido que está governando desde 2002, que obteve maioria absoluta nas últimas eleições (14 das 21 cadeiras do parlamento) e recentemente aprovou o orçamento para o próximo período. O orçamento foi negociado e aprovado pelo parlamento e a função dele era só aprovar. Só que ele se recusou a fazê-lo, o que levou a um impasse. Até existe um procedimento caso isso aconteça: quando o governador se recusa assinar algo, esse documento, no caso o orçamento, deve ser enviado de volta para ser reformulado. Mas ele não assinou, nem enviou o orçamento de volta para ser reformulado, então na prática, o orçamento está sequestrado nas mãos dele, nada pode ser feito.

O governo holandês viu nesse ato uma oportunidade para recolonizar a ilha e quer suspender a autonomia financeira. Eles estão agora querendo tomar toda a autonomia financeira da ilha, decidindo como recolher os impostos e o que fazer com eles. É assim com as outras ilhas. Acontece que tudo isso é contra o Estatuto que rege o funcionamento do reino holandês. O estatuto diz que qualquer alteração na relação entre os membros do reino tem que ser discutido e aprovado por todos os membros.

Então a crise se iniciou com um chefe de estado que quis causar para agradar os amigos do seu partido e continuou com um governo oportunista que quis aproveitar a crise interna para realizar seus ideais de neocolonialismo.

O mais bizarro de tudo é que a situação econômica da Holanda não é melhor que a de Aruba, muito pelo contrário. Como a gente pode ver nos dados do Banco Mundial, o endividamento cresceu (aliás internacionalmente), só que a dívida de Aruba, em relação ao seu PIB continua menor que a dívida da Holanda.

grafico divida externa

% de dívida externa/PIB de Aruba x dos Países Baixos

Se os outros indicadores econômicos deles estivessem melhores, mas vamos ver:

Taxa de desemprego em 2013

Aruba: 6,3%         Holanda: 8,7%

Taxa de crescimento econômico em 2013

Aruba: 3,9%        Holanda: -1,25% (isso mesmo, crescimento negativo)

Quando o governador se recusou a assinar e devolver o orçamento, o ministro de Finanças foi até a Holanda tentar resolver a situação. O ministro de interior holandês simplesmente se recusou a negociar com ele, dizendo que a decisão do governador era soberana. O ministro voltou e pediu demissão, dizendo que dessa maneira ele não tinha como trabalhar. Aqui em Aruba, o primeiro ministro continuou se esforçando para chegar a um acordo com o governador, até que na 6ª feira passada, o governo holandês ordenou ao governador que ele não assinasse nada porque ia ser criada uma comissão para investigar o orçamento. Foi então que com mais essa porta na cara, que o primeiro ministro resolveu fazer a greve de fome. Porque sem o orçamento assinado e sem que ele seja devolvido para fazer qualquer ajuste, o país pára. O governo não pode pagar ninguém, não somente seus funcionários e aposentados, mas também todos os contratos, todos os negócios ficam em suspenso. E até mesmo a arrecadação de impostos fica inviabilizada.

E tudo isso inconstitucionalmente, já que Aruba é um país economicamente autônomo. O chato é que existe muita desinformação por todos os lados. Existiram órgãos de comunicação da Holanda que publicaram coisas como: “Claro que precisamos verificar as contas, se a gente dá dinheiro para eles todos os anos.” Só que não.

Então agora existe uma moção do povo, que já foi assinada por quase 6.000 pessoas (existem 22.000 votantes) para que o governador assine e acabe com essa palhaçada. Inúmeros juristas, políticos e ativistas já manifestaram seu apoio. O primeiro ministro ainda está consciente, mas bastante debilitado, ele está acampado na frente do gabinete do governador junto com vários cidadãos, políticos ou não, que estão lá demonstrando seu apoio.

primeiro ministro

Mike Eman sendo monitorado por um profissional de saúde

Se vocês quiserem apoiar a luta de Aruba para manter sua autonomia e impedir o neocolonialismo holandês, assinem a petição criada hoje no Avaaz. Obrigada.

Para entender mais detalhadamente a crise, também se pode ler em inglês aqui.

 

Campanha: ajude uma criança a completar seu álbum da Copa

Eu podia estar matando, eu podia estar roubando, mas estou só estou pedindo ajuda para a minha filha. Essa pobre criança expatriada ganhou um álbum e algumas figurinhas da Copa e agora precisa de ajuda para ir completando as que faltam. Aqui em Aruba não se vende, então eu peço encarecidamente aos leitores do blog que estiverem vindo para Aruba nos próximos dois meses que contribuam com o quanto possam: 1 figurinha avulsa já ajuda, 5 ou 10 saquinhos também. :)

Aqui uma foto da criança para mostrar que eu estou falando a verdade:

 

Notem o álbum ainda tão vazio

Atualização: recebemos generosas contribuições de leitores e chegamos a 71% do álbum. Também encontramos alguns supermercados que estão vendendo figurinhas, mas aqui o pacotinho custa $1,50 (dólares). O problema estar sendo encontrar as que faltam porque vai ficando difícil encontrar as que precisamos. Os times que menos temos figurinhas são Nigéria, México e Uruguay, mas alguns só falta 1 figurinha para completar, como Croácia, Costa do Marfim e Argentina.

Atualização: falta só uma figurinha! Quem tiver a 265 por favor, traga!

As eleições e o sistema eleitoral de Aruba

Carreata do partido avp no último domingo

Hoje é o grande dia das eleições em Aruba. Aqui, as eleições não são feriado, mas o trabalhador tem o direito de se ausentar por 4h para votar, então na prática, hoje tudo fecha ao meio-dia. Se algum leitor veio de passeio nos últimos cinco meses, com certeza deve ter notado as bandeiras e os adesivos por todas as partes. A primeira pergunta que os brasileiros fazem quando ouvem falar de eleições é: eleição de quê? Bom, daí o jeito é explicar que numa ilha de apenas duas cidades e pouco mais de cem mil habitantes, não tem como existir eleições municipais, estaduais ou federais. Aqui são “as” eleições, onde se elegem os membros do parlamento, os ministros e o ministro-presidente (Aruba, ao ser um estado independente, mas associado à Holanda, não tem um presidente, mas sim, um ministro-presidente).

Uma das coisas mais curiosas do sistema eleitoral de Aruba é que os partidos têm cor. Sim, cada partido é identificado por uma cor. Isso eu descobri em 2004, quando estávamos planejando o nosso casamento. Nós morávamos na Holanda, mas nos casamos em Aruba, que eu só conhecia por uma visita de duas semanas em 2003. Quando estávamos decidindo os detalhes, resolvemos fazer o casamento usando a cor amarela, por ser a cor em comum das bandeiras do Brasil e de Aruba. Alguns dias depois de comentarmos isso com a família, meu marido me disse que seus pais tinham receio de que o nosso casamento fosse visto como declaração de apoio a um partido (coisa que eles nunca fizeram) e eu fiquei totalmente surpresa. Ahn, como assim? Daí eu fiquei sabendo que em Aruba esse lance da associação da cor com um partido é muito forte. Gente que apoia um partido é capaz de passar o resto da vida sem nunca usar a cor do outro nem para roupas, nem para carro ou para a casa. No final, nós decidimos não mudar nada e fazer a decoração toda em amarelo e branco, mas que teve gente incomodada, isso teve!

Daí vocês podem ficar pensando: epa, quantos partidos têm? Senão, a escolha de cores pode ficar bastante limitada. Bom, existem oito partidos, mas, na prática, existem dois que se revezam no poder: um que tem a cor verde e outro que tem a cor amarela. Então embora existam os partidos com cor vermelha, azul, laranja e branca, a rivalidade grande é entre as cores verde e amarela.

 

Nessa época do ano, dá pra encontrar até doce de leite ninho nas cores que cada um desejar

O sistema eleitoral de Aruba é bem diferente do sistema brasileiro, por isso vou tentar explicar resumidamente. O parlamento tem 21 lugares e essas vagas são repartidas segundo o número de votos de cada partido, em 1º lugar e segundo o número de votos do candidato, individualmente, em 2º lugar. Cada partido tem que estabelecer uma lista, que pode conter até 29 candidatos, sendo que o candidato que tem o número 1 é o candidato a ministro-presidente daquele partido. Os outros candidatos da lista são candidatos a parlamentares ou ministros, no caso que aquele partido ganhe as eleições. Então, ao contrário do Brasil e de muitos outros países, a nomeação de ministros não pode vir “de surpresa”, com um nome que ninguém ouviu falar. Obrigatoriamente tem que ser uma pessoa que passou pelo crivo do partido, primeiramente e pelo crivo popular das eleições. A ordem em que os candidatos estão na lista é muito importante porque ela é que determina o corte, ou seja, segundo o número de vagas que o partido consegue, a ordem da lista determina quem entra no parlamento.

Lista do partido verde

Durante muitos anos, os partidos pequenos serviram principalmente para as coligações que definiam quem ia governar a ilha, então como um conseguia uma vaga, outro conseguia outra vaga e um terceiro conseguia umas duas, eles juntos acabavam tendo uma influência porque podiam coligar com um partido ou com outro para dar a maioria e decidir. Mas, nas últimas eleições, o partido verde ganhou de lavada, em grande parte, graças à péssima administração que o partido amarelo estava fazendo. Desta vez não foi necessária uma coligação, porque o partido verde conseguiu 12 das 21 vagas do parlamento e pode governar sem ter que fazer acordos nem prometer cargos para outros partidos.

O voto em Aruba não é obrigatório, mas a participação é altíssima, em torno de 90%. Só para efeito de comparação, nos EUA, onde o voto também não é obrigatório, a participação gira em torno dos 40%.

Para a distribuição de vagas, primeiro contam-se os votos válidos e divide-se por 21. O ratio determina quantos votos um partido precisa para ter uma vaga, então se um partido consegue 5 vagas por exemplo, os cinco primeiros da lista entram para o parlamento. E se um candidato consegue muitos votos, mas está baixo na lista do partido? Existe uma exceção para a regra: qualquer candidato que consiga 1500 votos automaticamente consegue uma vaga para o parlamento, independente do seu lugar na lista.

E como funciona a questão dos ministros? Como eu comentei antes, os ministros precisam estar na lista. Então partido que ganha acaba conseguindo por mais gente de sua lista no governo. Por exemplo, nas eleições passadas, o partido verde conseguiu 12 vagas, mas o número 1 se tornou ministro-presidente e seis outros se tornaram ministros, o que significa que até o candidato que estava no número 19 conseguiu entrar no parlamento.

A contagem manual dos votos (aqui não existe urna eletrônica) começa no sábado de manhã e o resultado final dos votos só vai sair no dia 2 de outubro. Outra coisa que eu acho curiosíssima é que o governo eleito assume imediatamente, no mesmo dia, não existe transição.

Como alguns leitores do meu blog sabem, meu marido trabalha no ministério de infraestrutura, então nós não estamos indiferentes a essa eleição, aqui em casa somos verdes até o último fio de cabelo! :p E para completar a lista de particularidades das eleições de Aruba, uma similaridade. Aqui como aí, tem lei seca que começa um dia antes e termina um dia depois das eleições. Até lá, seja num bar, restaurante ou supermercado, a venda de bebidas alcoólicas só é feita com uma comprovação de que se é turista. Então se você estiver em Aruba, saia com o seu passaporte que comprova a data de entrada!

 

A questão do abastecimento

O lado b de se morar numa ilha paradisíaca do Caribe é a questão do abastecimento. Coisas que você não dá valor quando se mora num país farto em produtos frescos, como o Brasil, aqui são apreciadas. Então ir ao supermercado e encontrar tudo o que você tinha em mente é um prazer inenarrável. :) Isso porque algumas vezes tem algum contêiner que está atrasado, por motivos diversos.

Aruba é abastecida por contêineres que tem 3 origens distintas: Estados Unidos, Holanda e Venezuela-Colômbia-países latino-americanos em geral. Então às vezes, principalmente na época da temporada de furacões, como agora, acontece de um contêiner não chegar na data prevista. Atualmente, o que está atrasado é o que vem da Holanda e a ilha não tem batatas. Para um turista pode parecer surreal, mas não tem batata em nenhum supermercado da ilha desde a 6a feira passada e segundo dizem o contêiner só vai chegar amanhã, o que significa que entre descarregar e distribuir, o produto tão esperado só vai reaparecer 6a feira.  Enquanto isso, essa que vos fala, vai ficando com lombrigas de uma boa salada de batatas para comer com a maionese caseira que eu fiz esse fim-de-semana.

No meu caso, eu acabo sofrendo mais do que a média com o atraso dos contêineres, porque, por uma questão de hábitos alimentares, aqui em casa, quase tudo o que consumimos é fresco. Não consumo leite de caixinha, por exemplo. Nem frutas e verduras congeladas. Não compro molho de tomate, eu mesma faço. Não uso tempero completo, compro vários tipos de ervas frescas, como manjericão, orégano, louro, além do indispensável cheiro verde. Não compro cubinhos de caldos de carne, frango ou peixe. Todos os meus caldos são caseiros e ficam congelados sem nenhum conservante nem glutamato monossódico. Isso faz com que eu faça no mínimo duas visitas ao supermercado por semana, mas pelo menos minhas idas são rápidas, porque eu passo quase batido por todas as prateleiras de produtos alimentícios e vou direto para a geladeira. E são exatamente os produtos frescos os mais afetados pelos atrasos de algum contêiner. Porque os supermercados sempre tem bons estoques de enlatados, arroz, farinhas e produtos de limpeza, mas ter um estoque de verduras e outros produtos frescos não é possível.

Então da próxima vez que vocês ficarem com aquela invejinha da minha proximidade com as praias paradisíacas, consolem-se pensando que morar aqui também tem seus perrengues. 😉

Resumão de dicas sobre imigração para Aruba

Atualizado em outubro de 2017

Eu vou tentar dar uma resposta geral para uma pergunta frequente aqui no blog e no meu email: como eu faço para morar e trabalhar em Aruba?

Então vamos lá: é difícil, muito difícil. A não ser que você se case com um arubiano, conseguir o visto de residência é mais difícil que na maioria dos países da Europa ou da América do Norte. A justificativa é simples: Aruba é uma ilha pequena, mede apenas 33 km de extensão por 9 km de largura na sua parte mais larga. E nesse pequeno espaço moram cem mil pessoas. Além disso, a população flutuante é maior ainda que o número de pessoas que moram aqui. Isso significa que em janeiro, por exemplo, na altíssima temporada, a ilha chega a receber quase 200.000 turistas, ou seja, nesse pequeno espaço chegam a conviver quase 300.000 pessoas. Então, além da política de imigração ser restritiva, não existe uma perspectiva de que mude para que fique mais “fácil” imigrar. Vou tentar explicar como funciona em diferentes casos.

No meu caso, por casamento com arubano, é assim: de preferência, você tem que se casar no civil aqui, porque é um papel a menos para legalizar e traduzir. Com a certidão de casamento em mãos, você tem que juntar uma porrada de papéis do seu país de origem, como certidão de nascimento, atestado de estar quites com o imposto de renda, certidão de antecedentes penais, fazer exame de chapa de pulmão, resultado de teste de HIV negativo, entre muitas outras coisas. São 25 itens no total e todos os documentos brasileiros tem que apostila de Haia e ter uma tradução jurada para o holandês. Daí você consegue uma espécie de visto permanente vinculado ao seu marido. Se acaba o casamento, acaba o visto. Esse é o jeito fácil.

O segundo caso, e mais difícil, é conseguir um visto de trabalho e residência. Para que se consiga um, obrigatoriamente uma empresa precisa fazer uma oferta de trabalho antes que você deixe o país, no caso, o Brasil. Porque quando você chegar aqui, vai ter que apresentar também toda a papelada anterior. Mas o problema é que a empresa consiga fazer uma oferta de trabalho para você. Para que ela possa fazer isso, ela tem que provar que em Aruba não existe ninguém com essa qualificação. Ela precisa anunciar a vaga em jornais e/ou agências de emprego e mostrar que ninguém atendia àquelas qualificações. E isso não só é difícil, como custa dinheiro. A renovação do visto é anual e pedem toda uma papelada tanto para o empregador quanto para o empregado.

Daí vem a pergunta: e trabalhar ilegal? Possível é, mas é muito difícil. Eu acho que o principal problema é que se você está ilegal, não tem acesso ao sistema de saúde que, como eu expliquei antes, é único por aqui. E se você tiver um acidente, por exemplo? Você vai ter que ir ao único hospital da ilha e pagar pelo atendimento. Mas esse é o menor dos problemas. O grande problema é que se algum enfermeiro, médico ou funcionário do hospital não achar legal um imigrante ilegal estar morando aqui, ele pode te denunciar para a polícia e você pode ser deportado. Então não tem ilegais? Tem sim, mas normalmente são colombianos ou venezuelanos, que pela proximidade do próprio país, acabam se arriscando.

Um exemplo de como é complicado ser ilegal é o tempo médio de residência dos brasileiros que moram aqui. Eu diria que a média é de 30 anos. São brasileiros que vieram numa época em que as portas estavam abertas, a burocracia era bem menor e dava para se arriscar. Essa galera já legalizou sua situação há muito tempo. Eu não conheço nenhum brasileiro que esteja residindo ilegalmente em Aruba, bem ao contrário da Espanha, onde eu conhecia vários.

Outra possibilidade de morar em Aruba é conseguindo o visto de residência, mas não de trabalho. Isso é possível ao se comprar algumas semanas de timeshare ou um imóvel na ilha. É assim que muitos americanos acabam morando aqui, normalmente aposentados fugindo do frio.

E a última possibilidade é abrir um negócio. Só que, apenas é permitido abrir negócios na ilha se pelo menos um dos donos for arubiano. Isso significa que obrigatoriamente você vai ter que ter um sócio local. Essa regra vale para todo e qualquer tipo de negócio, até o Marriott e o MacDonald’s tiveram que conseguir um sócio daqui para abrir suas portas.

Outros esclarecimentos que costumam povoar os mails que eu recebo: ter passaporte europeu ou greencard americano não facilita em absolutamente nada o processo de visto de trabalho ou residência. O processo é igual para todos, exceto para os de passaporte holandês, obviamente. Eu, por exemplo, fiz o meu processo de pedido de visto com meu passaporte espanhol, mas simplesmente pela facilidade em relação à documentação. Quando eu me mudei para cá, o Brasil ainda não assinava a convenção de Haia para a legalização de documentos, sempre tinha aquele pesadelo de reconhecer firmas, legalizar no consulado e fazer tradução juramentada. Como tanto Aruba quanto a Espanha são assinantes do convênio, eu só precisei ter meus documentos espanhóis com a apostila de Haia e já está valendo.

Esclarecimento final: eu não sei como está o mercado de trabalho para nenhuma profissão, pessoal. Sério. A minha recomendação para quem quer procurar trabalho em Aruba: venham como turistas e procurem vocês mesmos. Como a ilha é pequena, qualquer que seja a sua área de trabalho, não vai ser difícil saber se existe demanda ou não. 😉

Os arubianos e os hotéis

vista de palm beach

Um hábito tipicamente arubiano é hospedar-se nos hotéis da ilha. Tem muita gente que estranha. Eu mesma, da primeira que ouvi, muitos anos atrás, que uma tia estava passando uma semana num hotel, estranhei. Como assim? Ela mora em Aruba e foi hospedar-se num hotel? A ideia me parecia muito esquisita. Por mais turístico que fosse o lugar, eu não conseguia entender a graça. Mas com o tempo e a convivência com um arubiano da gema me fizeram mudar de opinião.

Vejam bem, Aruba tem apenas 33 km de extensão por 9 km de largura. Então vocês podem imaginar que as opções de lazer são limitadas, pelo menos geograficamente. Claro que tem muito o que fazer, sendo um lugar tão turístico, mas muitas vezes você acaba preso na rotina do dia-a-dia e dar uma escapada para um hotel acaba sendo uma ótima diversão. Afinal, você vai estar naquele esquema de acordar, ir para a praia ou piscina, comer fora de casa e no caso dos arubianos, chamar a família e os amigos.

Ir para um hotel aqui é um evento social, o que não poderia deixar de ser, considerando como os arubianos são festeiros. É de bom tom que cada vez que você se hospeda no hotel, você ligue contando para todo mundo e convidando para visitar. Daí é só levar uma caixa térmica para por a bebida, salgadinhos e petiscos e aproveitar. Alguns hotéis são restritivos com o uso da piscina – só entra quem tiver uma fitinha no pulso – outros deixam que os hóspedes convidem amigos. Muita gente costuma inclusive comemorar o seu aniversário ou aniversário dos filhos nos hotéis. Acaba saindo mais barato pagar para hospedar uns dias e não ter que se preocupar com aluguel de salão, mesas, diversão e simplesmente deixar os convidados sentar na beira da piscina, bem relax.

Mais comumente os arubianos se hospedam nos timeshare, não pelo preço, mas pelo tamanho do quarto. Os quartos dos timeshare são maiores que os dos hotéis comuns, costumam ter balcão e sempre tem a cozinha totalmente equipada.

Bom, isso tudo para contar que na semana passada, a nossa família aproveitou as férias de outono – conhecida no Brasil como semana do saco cheio – no Radisson. Não, não é um timeshare. Mas eu tenho que explicar porque ficamos numa suíte. Aliás, ficamos não, meus sogros ficaram. Eles que se hospedaram lá por uma semana. Nós só dormimos lá na 6a feira e no sábado, apesar de termos ido passar o dia todos os dias.

Então aguardem o relato da nossa experiência no Radisson, com muitas fotos, a partir de amanhã. :)

Miscelânea sobre as férias no Brasil

Pois é, passamos cinco semanas no Brasil. Parece muito, mas passa voando. Foram quatro semanas em Campo Grande, três dias no Rio e três em São Paulo. Como passamos o ano todo longe da família brasileira, sempre dá uma peninha de viajar. Mas esse ano meu marido se rebelou, porque já era a sétima vez que íamos ao Brasil e ele ainda não conhecia o Rio. Como das outras vezes eu sempre ficava 4 semanas, dessa vez, o jeito foi ficar cinco, daí meus pais não sentiram que a gente foi embora rápido demais e ainda deu pra fazer um passeinho. Observações gerais:

  • Muito curioso ver os jogos olímpicos no Brasil depois de tanto tempo. Em 2004, eu morava em Delft e em 2008, eu morava em Madrid. O que dá pra notar é como cada país acaba puxando a sardinha para os esportes em que o país tem tradição. Acho que desde o ano 2000 que eu não via um jogo de vôlei, porque nos países onde eu assisti os jogos, não se transmitia. Eu me lembro que na Holanda só dava hóquei o dia inteiro. Tipo a transmissão do futebol no Brasil, quando a tv transmite até os jogos em que o Brasil não está jogando. Em Madrid, eu alucinei querendo ver a ginástica artística, que eu adoro, mas nem rolou. Só transmitiam a ginástica rítimica, modalidade em que a Espanha tem um time competitivo. E os espanhóis também adoram todas as modalidades de ciclismo e o nado sincronizado. Mas o melhor do Brasil foi contar com quatro canais, cada um passando uma atração. Chegamos em Aruba a tempo de ver o último dia de competições e foi uma lástima, só tínhamos dois canais para escolher  – nbc ou tv holandesa –  e às vezes nenhum dos dois estava transmitindo nada relacionado aos jogos.
  • Seguindo o tema olímpico, deu um medão ver como no Rio ainda falta preparar…quase tudo. E eu, que sou velha e tenho ótima memória, ainda lembro que quando faltava pouco tempo para os jogos de Los Angeles em 84 e rolava aquela história do boicote da União Soviética, os coreanos disseram que se tivesse algum problema, os jogos poderiam ser realizados em Seul, porque já estava tudo pronto. Uns com tanto esmero e outros com tão pouco…
  • E pensando na questão da Copa, que já está chegando. Como os turistas vão fazer com esses aeroportos e essas companhias aéreas eu não sei. Ano vai, ano vem e tanto a Gol quanto a TAM continuam não aceitando cartão de crédito emitido fora do Brasil para comprar passagens pelo site. Daí você que é turista acaba tendo que ir ao aeroporto e pagando uma taxa de emissão super cara por não poder usar o site. No caso da Gol existe um atenuante: dá pra usar o site, fazer toda a reserva até a hora de pagar. Daí, quando você tenta pagar com o cartão internacional, eles dizem que não aceitam, mas que seguram a reserva pelo preço do site por meia hora, desde que você corra para o aeroporto para pagar lá. Bom não é, mas é menos mal. O inglês do povo que trabalha com turismo continua abaixo do mínimo necessário. Meu marido ligou para o atendimento internacional da TAM, falando inglês e o atendente respondeu em português, perguntando se eles podiam continuar a conversa nesse idioma. Sim, ele entende e topou, mas e os turistas que não são casados com brasileiras? Fora o inglês das comissárias de bordo, que continua sendo absolutamente incompreensível para não brasileiros.
  • No geral, achei a comida no Brasil muito salgada. Já vi que onze anos fora definitivamente mudaram meu paladar. Não estranhei nadinha a notícia de que os brasileiros consomem cinco vezes mais sódio que o recomendado.
  • Não compramos quase nada, mas achei os preços do supermercado um horror. Fui comprar seis ítens e gastei quase cem reais. Então para quem pergunta como são os preços dos supermercados em Aruba: é barato, galera. Bem mais barato do que o que vocês estão acostumados a pagar por aí.
  • Tive vários reencontros com amigos do colégio e amigos da faculdade. É engraçado que agora uma das perguntas das notícias a serem atualizadas é: como estão seus pais? Daí um conta do avc, outro do glaucoma, dos médicos, dos remédios. Vinte anos atrás estávamos na faculdade e provavelmente éramos fonte de preocupação para eles. Dez anos atrás, tudo o que importava era o trabalho e a carreira. Sempre que nos encontrávamos era para falar quem estava trabalhando, onde estava trabalhando, quem tinha sido promovido ou não, quem estava procurando trabalho. E agora o foco já mudou de novo e somos nós os que nos preocupamos pelos nossos velhinhos, hehehe.

A nossa experiência criando uma criança poliglota – parte 1

Faz muito tempo que estou enrolando para contar como está sendo criar uma criança numa ilha poliglota. Antes e depois de ser mãe, eu li muito sobre bilinguismo, trilinguismo, mas nunca li nenhuma experiência de alguém que tenha criado uma criança com cinco línguas diferentes (multilinguismo). E vejam bem, no nosso caso, não foi por opção, porque queríamos que nossa filha estivesse preparada para o mercado de trabalho, que ampliasse seus horizontes nem nada disso, simplesmente esse é o contexto em que nós vivemos.

Tudo começou quando eu me casei com um arubiano, oito anos atrás. Eu expliquei como o poliglotismo funciona na sociedade arubiana bem detalhadamente nesse post aqui. Desde o início do casamento e da decisão de ser mãe, eu soube que ia falar em português com a minha filha. É até estranho ter que explicar os motivos disto, mas depois de tantos anos fora do Brasil em países diferentes e de ver como a grande maioria dos brasileiros que mora fora não fala português com seus filhos, ou como alguns até começam a falar e depois que a criança responde as primeiras palavrinhas em outro idioma, já desistem e explicam para os amigos e familiares que a criança não quis aprender português, eu prefiro explicar minhas razões. Eu quis falar português porque quero que minha filha me entenda perfeitamente, não só entenda minhas palavras, mas entenda meus sentimentos, meu contexto. Quero que ela possa conhecer e conviver com a minha parte da família sem precisar de traduções. Quero que ela um dia possa ler os mails que eu mando para o email que nós criamos para ela quando ela tinha só alguns meses e onde eu conto como ela vai crescendo, para que nós duas possamos recordar os momentos importantes da sua vida. Quero que um dia ela possa ouvir e entender uma letra do Chico Buarque. Que um dia possa assistir e dar risadas com o Auto da Compadecida. Para mim, nunca foi importante saber se crianças que são criadas com mais de um idioma demoram ou não em falar, se têm melhor aprendizado, se são alfabetizadas mais facilmente, ou se diminuem suas chances de ter Alzheimer no futuro. Por que para mim, o valor de poder comunicar com minha filha na minha própria língua está acima de qualquer estudo ou pesquisa.

Por que deu certo

Acho que um dos principais motivos foi porque o meu marido apoiou, assim como a família dele. Nesses anos morando fora, todos os casos que eu conheci de mães ou pais brasileiros que nunca nem tentaram falar português com os filhos foi porque o parceiro e/ou a família não aceitou. É aquela coisa de: meu marido diz que vai confundir a cabeça dele/dela, minha sogra diz que o menino(a) vai responder alguma coisa que ela não entende, quando ele/ela crescer, eu ensino.

No nosso caso, meu marido já cresceu poliglota, como todos os arubianos. Além disso, ele conhece alguns arubianos filhos de estrangeiros que já tinham uma quinta língua. Para completar, a esposa do irmão dele fala com nossos sobrinhos em espanhol. Ela nasceu em Aruba, mas é filha de panamenhos, foi criada em espanhol e decidiu continuar falando a língua dela com os filhos. Assim que para ele e para a família dele falar a própria língua com o filho é algo normal e esperado. Curiosamente, da minha parte da família teve gente que achava que ele não devia falar papiamento, a língua dele, com a filhota. Por que é uma língua que só se fala em algumas ilhas do Caribe, por que todo mundo em Aruba fala inglês ou espanhol, então para que…Enfim, nenhum motivo que justifique que uma pessoa não possa falar a própria língua com seu filho.

Eu me lembro que quando a filhota tinha pouco mais de um aninho, eu li esse excelente post da Luciana Misura sobre bilinguismo e o que mais ficou martelando na minha cabeça foi a importância do número de horas que a criança é exposta ao idioma. Na época eu até comentei angustiada, pensando como eu ia ter uma criança que falasse português, sendo exposta a tantos idiomas, hehehe. No final foi mais fácil do que eu pensava.

Uma das coisas que eu tenho certeza que, no nosso caso, ajudou muito foi o fato de eu ter parado de trabalhar e ficado com a Diana. Por que o número de horas que a criança é exposta a um idioma conta muito, então se o pai ou a mãe, que são a única “fonte” do idioma para a criança, trabalha o dia inteiro, esse idioma já entra em desvantagem. Se uma criança filha de brasileiro(a) vai à creche ou escola durante o dia e só vai ouvir o português à noite e nos fins de semana, ela não vai estar sendo exposta ao idioma o tempo suficiente para ser fluente. Mais difícil ainda se um dos pais for do país, então a criança vai ter todo o meio (escola, amigos, família, vizinhos) falando uma língua e apenas algumas horas ou minutos ao dia escutando o português. Se esse é o caso, eu acho que vale muito a pena contar com a televisão (com vídeos), com livros e com a internet, que tem também muita fonte de vídeos legais para crianças.

A consciência de que a criança vai aprender a(s) língua(s) do lugar sim ou sim, sem que isso seja motivo de preocupação também ajuda. Desde que a Diana nasceu, eu assumi que a minha responsabilidade seria ensinar português, qualquer outra língua que procurasse o seu espaço, porque eu sabia que cedo ou tarde ela ia aprender. E inclusive tive que ouvir críticas ou comentários (que entravam por um ouvido e saíam pelo outro) porque ela até os 2 anos e meio não falava espanhol, que era o idioma do país em que morávamos.

A decisão de falar português com ela nos influenciou antes mesmo que ela nascesse. Antes mesmo de ficar grávida, nós decidimos mudar de cidade, porque morávamos em Barcelona, onde se fala o catalão e a idéia de expor um filho a uma sexta língua era aterrorizante até mesmo para nós, que já somos considerados loucos de pedra por muita gente, kkkk. Chegamos a buscar alguma escola holandesa por lá, não tinha. Queríamos até mesmo que fosse possível que a nossa futura filha estudasse numa escola em que se ensinasse o espanhol: também não rolou por causa do sistema de imersão imposto pelo governo catalão. Lá todas as escolas públicas ou privadas ensinam catalão e o espanhol é dado como língua estrangeira, poucas horas por semana. Nas escolas internacionais (existem escolas americanas, francesas, alemãs, etc), o catalão é obrigatoriamente a outra língua ensinada e não o espanhol. Então só nos restou procurar trabalho fora da Catalunha. Por sorte, no mesmo mês que eu fiquei grávida meu marido conseguiu um trabalho em Madrid, onde nasceu a filhota.

Outro fator que eu acho que ajuda é não deixar passar quando a criança fala errado. Uma criança exposta a mais de uma língua, invariavelmente vai trocar alguma palavrinha e misturar idiomas. O problema é que alguns pais identificam esses errinhos como uma vontade, como se a criança não quisesse ou se recusasse a falar em português. Só que eu sempre encarei como uma simples falta de vocabulário, então se ela fala uma palavra em algum outro idioma, eu corrijo e repito a frase como deveria ser.

E finalmente, nunca li isso em nenhum livro, mas eu resolvi nunca falar palavras de bebezinho com ela, tipo: papá, mimir, tetê, etc. Por que eu acho que ela já precisa aprender tantas palavras em tantos idiomas, que não vejo o sentido de usar palavras que só servem para uma certa época da vida.

Mas o nosso caminho para o multilinguismo foi complexo, com mudança de país, ajustes e bastante jogo de cintura, por isso vou explicar como exatamente foi o processo de aquisição da linguagem no próximo post.

A burrocracia da renovação de visto

burocracia

Depois de onze anos fora do Brasil e três países eu já devia estar acostumada com a papelada. Mas a criatividade dos serviços de imigração de cada país é tão grande que cada vez que chega a época de renovar o visto, o estresse é inevitável.

A nossa saga em Aruba começou dois anos atrás quando nos mudamos. Muita gente pensa que por estar casada com um arubiano e/ou por ter cidadania europeia (espanhola, além da brasileira) as coisas são mais fáceis e/ou mais rápidas. Doce ilusão. A nossa grande sorte foi que no dia da nossa chegada, o funcionário da imigração que nos interrogou conhecia bem os procedimentos. Não sei a experiência dos outros brasileiros, mas vir para Aruba sempre implica em ser interrogado pela imigração: querem saber onde você vai ficar, por que, etc. Sempre que vim, passei por um controle bem mais estrito que em qualquer uma das vezes que eu cheguei na Europa, independente do país. Pois bem, contamos a esse agente da imigração que estávamos casados desde 2004, mas nunca tínhamos morado em Aruba. Ele disse: vocês tem sorte! Mudaram a lei e quem se casou a partir de 2006 tem que fazer um procedimento bem mais longo e demorado. Custa mais de 600 florins. Mas no caso de vocês vai ser bem mais barato e rápido. Ficamos com aquilo na cabeça.

Já na primeira semana, tentei agilizar o processo do visto o mais rápido possível e sozinha porque meu marido começou a trabalhar dois dias após a chegada. Já na primeira vez que fui ao departamento de imigração, eu perguntei à funcionária que me atendeu: o que eu preciso fazer para pedir o visto? Sou casada com um arubiano desde 2004. Ela me deu um monte de papéis. Ao chegar em casa e ler o que eles pediam, quase tive uma síncope: uma lista de 16 itens de documentos que não tínhamos: antecedentes penais, declaração de estar em dia com o fisco, várias certidões que teriam que estar legalizadas no consulado ou com a apostila de Haia, além de uma taxa de 640 florins, o que no caso, era de menos. O problema era que eu não tinha aquela papelada toda e ia demorar muito para conseguir. Depois de dois dias do choque, eu me lembrei do que o agente da imigração tinha dito e resolvi voltar lá. Falei com outra funcionária e disse especificamente: quando eu cheguei, o funcionário da imigração me disse que quem se casou antes de 2006 tem um procedimento diferente, mais simples, a senhora pode verificar? Ela foi para dentro perguntar para alguém e voltou com uma lista de apenas 6 itens, dos quais eu tinha todos porque, ao ter acabado de conseguir minha cidadania espanhola, meus documentos espanhóis todos tinham sido emitidos há menos de seis meses, que era um dos requisitos da papelada. A taxa a pagar era de apenas 100 florins. Pois bem, consegui todos os papéis e fomos entregar juntos porque ao pedir o visto por casamento, é preciso ir à entrevista acompanhada do marido. Na hora da entrega, outra funcionária olha os nossos papéis e diz: quem deu esse formulário para vocês? Respondemos: a moça que dá informações aqui na frente. Ela: está errado. Não sei onde vocês conseguiram esses papéis, mas está tudo errado. Vocês precisam de vários outros que faltam aqui e a taxa não é essa, a taxa é de 640 florins. Bom, meu marido de pavio curtíssimo começou a gritar com ela e ela com ele…Enfim, muito calmamente, eu interrompi os dois e falei: senhora, no dia que chegamos, o funcionário da imigração nos comentou que o nosso procedimento é diferente porque nos casamos antes da mudança da lei em 2006. Dá para a senhora checar isso? Mais uma vez, a funcionária nos deixou e foi tirar suas dúvidas lá dentro. Ela voltou dizendo que estava tudo certo e que era para esperarmos a resposta pelo correio. O visto demorou oito meses em sair e agora finalmente está vencendo.

Na semana passada lá fui eu de novo, com a esperança de que a renovação fosse mais fácil dessa vez. Fui falar com a funcionária que dá os formulários e a primeira coisa que eu disse: eu me casei em 2004 e preciso renovar meu visto de residência. Ela vai e me entrega um formulário que me parece gigantesco. Eu digo: esse é o formulário para quem se casou em 2004? Ela: sim, é esse mesmo. Bom, chego em casa e a novela se repete: um monte de papéis e uma taxa de 640 florins (caso eu queira trabalhar) ou 150 florins, caso eu pedisse um visto só de residência, mas não de trabalho. Como eu tinha perguntado duas vezes se esse era o formulário para quem se casou em 2004, achei que o procedimento tinha mudado. Fui ao serviço de imposto para pagar a taxa e chegando lá me pedem o formulário original que tinha sido aprovado. Essa foi a minha sorte. Ao chegar em casa e ver o formulário anterior, me veio a dúvida: será que ela me entregou os papéis certos? Por que dessa vez estavam pedindo até uma declaração da minha sogra ou do meu sogro dizendo que eu sou uma pessoa de bem e responsabilizando-se pelas minhas ações em Aruba (!?) se antes não havia nada disso?. Bom, munida do formulário original e aprovado, voltei ao serviço de imigração, mostrei para a funcionária (a mesma) e disse: esse é o formulário do meu visto que está vencendo, qual é o que eu preciso preencher para renová-lo? E ela volta com um formulário igual ao que eu tinha, bem curtinho e com uma diferença: não tem taxa para pagar a partir da renovação! Além disso, quem se casou antes de 2006 sempre tem um visto de residência e trabalho, sem precisar pagar à parte.

Até hoje eu agradeço aquele bendito funcionário da imigração que nos recebeu em 2010…

Aruba tem o imposto de renda mais alto do mundo

A notícia mais comentada nos últimos dias aqui em terras arubianas é o recém-divulgado relatório da KPMG, que comparou o imposto de renda de 96 países do mundo e deixou Aruba em 1º lugar. O critério usado não foi a média de imposto taxado, mas sim qual a taxa máxima que o imposto de renda pode ter. Então, a lista ficou assim:

1 – Aruba. 58,95%
2 – Suécia. 56,60%
3 – Dinamarca. 55,40%
4 – Holanda. 52,00%
5 – (empate) Áustria. 50,0%
5 – Bélgica. 50,0%
5 – Japão. 50,0%
5 – Reino Unido. 50,0%
9 – Finlândia. 49,2%
10 – Irlanda. 48%

O Brasil está longe, longe, com 27,5% sendo o máximo de imposto de renda que alguém pode pagar.  O Brasil não está entre os primeiros nem mesmo na América Latina, que é encabeçada por Argentina, Colômbia, Equador, Guatemala e Venezuela.

Bom, eu nem sabia que o imposto podia ser tão alto assim, o que mostra que aqui em casa estamos bem abaixo da faixa de renda que paga essa taxa divulgada. Em compensação, conhecemos muitos, mas muitos holandeses mesmo que pagam mais de 50% de imposto, o que mostra que pelo jeito lá a taxação começa em faixas de renda bem inferiores.

O estudo é bem completo, não li tudo, mas eles também mencionam que se você levar as deduções em conta, Aruba e a Suécia já caem do topo da lista, deixando a Bélgica, a Croácia e a Grécia nos primeiros lugares. E realmente, aqui tem muita dedução que pode ser feita. Por exemplo, se você compra um carro ou uma casa, todo o juro que você paga é dedutível do imposto de renda. Sim, você sempre vai pagar somente o valor da casa ou do carro e não os juros. Já é uma boa, certo? Outra coisa que precisa ser levada em conta é que a educação é gratuita, conforme eu já expliquei aqui. Daí você pensa, ah, mas no Brasil também tem escola pública. Bom, aqui praticamente só existe escola pública porque o governo subsidia as particulares também (desde que atendam a certos critérios). Devido a isso, aproximadamente 52% do orçamento do governo é gasto com educação, de longe, o percentual mais alto do continente americano. Os professores aqui são muito bem pagos e ainda por cima trabalham só de manhã, tudo de bom né? Eu até pensei em estudar para ser professora, mas teria que enfrentar uma faculdade toda em holandês, daí desisti. Bom, resumindo, nunca ouvi grandes queixas a respeito dos altos impostos porque deduz-se muita coisa e o retorno é visível.

Agora, o mais patético da divulgação desse estudo foi a maneira que ele saiu na imprensa americana. Quem lê em inglês pode ver essa matéria cretina da CNBC, que concluiu, por conta própria que impostos altos são decorrentes de “dívida pública alta e economias fracas” e que a crise européia tem a ver com os impostos altos. Como a crise pode ter a ver com os impostos altos, que sempre existiram? Ah, se enxerga vai! Todos os países que estão na lista são países onde a saúde e a educação são direito de todos os cidadãos e onde ninguém precisa vender a casa onde mora porque descobriu que tem câncer. Bom, pelo menos na parte em que falam de Aruba, eles dizem que Aruba tem “um dos melhores padrões de vida do Caribe”.