A greve de fome do primeiro-ministro – autonomia x neocolonialismo

Há seis dias que o ministro-presidente de Aruba, Mike Eman, está de greve de fome. Os turistas que estão na ilha já devem ter percebido a multidão de gente acampada em frente ao gabinete do governador, do outro lado da marina. Para explicar os motivos que levaram a esse impasse, eu vou contar aqui um pouco sobre a autonomia de Aruba e a sua posição no reino holandês.

No meu primeiro post aqui no blog, em 2011, eu já comentava que  Aruba tem, desde 1986, um status diferenciado dentro do reino: ele recolhe seus impostos e decide o que fazer com eles. Esse status é conhecido como status apart. A Holanda não manda dinheiro para Aruba e Aruba não manda dinheiro para a Holanda. Essa situação é totalmente diferente das outras 5 ilhas caribenhas que fazem parte do reino holandês.

Aruba, assim como a Holanda, tem um sistema parlamentário, onde existe um primeiro-ministro (chamado de ministro-presidente), eleito pelo povo, que é o chefe de governo e um governador, que é o representante do rei na ilha e é o chefe de estado. A função dele, assim como a do rei, é de fazer um papel protocolar. Ele não pode expressar opinião política, deve assinar tudo o que o parlamento (que é o órgão máximo de autoridade na ilha) decide e participar de solenidades oficiais. Aí começou o problema. O governador de Aruba, apesar de não poder expressar opinião política, é conhecido por ter amizades com o partido de oposição. Como eu expliquei no meu post sobre as eleições, Aruba tem um partido que está governando desde 2002, que obteve maioria absoluta nas últimas eleições (14 das 21 cadeiras do parlamento) e recentemente aprovou o orçamento para o próximo período. O orçamento foi negociado e aprovado pelo parlamento e a função dele era só aprovar. Só que ele se recusou a fazê-lo, o que levou a um impasse. Até existe um procedimento caso isso aconteça: quando o governador se recusa assinar algo, esse documento, no caso o orçamento, deve ser enviado de volta para ser reformulado. Mas ele não assinou, nem enviou o orçamento de volta para ser reformulado, então na prática, o orçamento está sequestrado nas mãos dele, nada pode ser feito.

O governo holandês viu nesse ato uma oportunidade para recolonizar a ilha e quer suspender a autonomia financeira. Eles estão agora querendo tomar toda a autonomia financeira da ilha, decidindo como recolher os impostos e o que fazer com eles. É assim com as outras ilhas. Acontece que tudo isso é contra o Estatuto que rege o funcionamento do reino holandês. O estatuto diz que qualquer alteração na relação entre os membros do reino tem que ser discutido e aprovado por todos os membros.

Então a crise se iniciou com um chefe de estado que quis causar para agradar os amigos do seu partido e continuou com um governo oportunista que quis aproveitar a crise interna para realizar seus ideais de neocolonialismo.

O mais bizarro de tudo é que a situação econômica da Holanda não é melhor que a de Aruba, muito pelo contrário. Como a gente pode ver nos dados do Banco Mundial, o endividamento cresceu (aliás internacionalmente), só que a dívida de Aruba, em relação ao seu PIB continua menor que a dívida da Holanda.

grafico divida externa

% de dívida externa/PIB de Aruba x dos Países Baixos

Se os outros indicadores econômicos deles estivessem melhores, mas vamos ver:

Taxa de desemprego em 2013

Aruba: 6,3%         Holanda: 8,7%

Taxa de crescimento econômico em 2013

Aruba: 3,9%        Holanda: -1,25% (isso mesmo, crescimento negativo)

Quando o governador se recusou a assinar e devolver o orçamento, o ministro de Finanças foi até a Holanda tentar resolver a situação. O ministro de interior holandês simplesmente se recusou a negociar com ele, dizendo que a decisão do governador era soberana. O ministro voltou e pediu demissão, dizendo que dessa maneira ele não tinha como trabalhar. Aqui em Aruba, o primeiro ministro continuou se esforçando para chegar a um acordo com o governador, até que na 6ª feira passada, o governo holandês ordenou ao governador que ele não assinasse nada porque ia ser criada uma comissão para investigar o orçamento. Foi então que com mais essa porta na cara, que o primeiro ministro resolveu fazer a greve de fome. Porque sem o orçamento assinado e sem que ele seja devolvido para fazer qualquer ajuste, o país pára. O governo não pode pagar ninguém, não somente seus funcionários e aposentados, mas também todos os contratos, todos os negócios ficam em suspenso. E até mesmo a arrecadação de impostos fica inviabilizada.

E tudo isso inconstitucionalmente, já que Aruba é um país economicamente autônomo. O chato é que existe muita desinformação por todos os lados. Existiram órgãos de comunicação da Holanda que publicaram coisas como: “Claro que precisamos verificar as contas, se a gente dá dinheiro para eles todos os anos.” Só que não.

Então agora existe uma moção do povo, que já foi assinada por quase 6.000 pessoas (existem 22.000 votantes) para que o governador assine e acabe com essa palhaçada. Inúmeros juristas, políticos e ativistas já manifestaram seu apoio. O primeiro ministro ainda está consciente, mas bastante debilitado, ele está acampado na frente do gabinete do governador junto com vários cidadãos, políticos ou não, que estão lá demonstrando seu apoio.

primeiro ministro

Mike Eman sendo monitorado por um profissional de saúde

Se vocês quiserem apoiar a luta de Aruba para manter sua autonomia e impedir o neocolonialismo holandês, assinem a petição criada hoje no Avaaz. Obrigada.

Para entender mais detalhadamente a crise, também se pode ler em inglês aqui.