Estudos superiores II

No mapa do post anterior, é possível ver onde estão as universidades da Holanda. Existem 13 universidades e 22 hogescholen (não sei qual a tradução, faculdade não me parece ser suficiente para essa palavra) no país de quase 17 milhões de habitantes.

O meu marido uma vez me explicou que o princípio que rege a organização dos estudos é que um país não pode funcionar se todos os habitantes aspiram a ser médicos, engenheiros ou advogados. O país precisa de gente de todas as profissões, sendo que as mais básicas devem ser em maior número do que as que exigem muitos anos de estudo e dedicação. Até o número de vagas nas escolas superiores e universidades é avaliado de acordo com as necessidades do país. Por exemplo: é feito um cálculo de quantos médicos vão ser necessários daqui a X anos e então é estabelecido o número de vagas de medicina nas universidades. É importante ressaltar que as universidades não oferecem todos os cursos. Por exemplo, só existem duas universidades politécnicas: Delft e Eindhoven. Isso significa que todos os que querem estudar engenharia, física ou arquitetura vão ter que escolher entre essas duas.

Para que esse sistema funcione é preciso que não existam grandes discrepâncias salariais, senão todos iam querer as poucas profissões que pagam bem. E essa é uma grande diferença do mercado de trabalho holandês e brasileiro. Todas as profissões pagam o suficiente para alguém viver com dignidade. Esse é o princípio que rege o mercado de trabalho em Aruba também. Aqui, alguém que fica na ilha, estuda para ser tecnólogo em hospitalidade (existe esse termo? é para trabalhar em restaurantes, hotéis e cassinos) vai ter um mercado de trabalho muito bom e bons salários. Eu não sei o valor ao certo, mas sei que nunca vai ser menos que dois ou três mil por mês. Pode não parecer muito no Brasil, mas nos posts anteriores eu expliquei porque saúde e educação nunca vão ser uma preocupação. Salários de menos de mil florins não existem assim como não existem os salários altíssimos que existem no Brasil, de 20 mil reais para funcionários públicos, ou de 35 mil reais para diretores de empresas. Isso é sério: não existem salários assim. Podem existir pessoas que ganhem isso, mas que trabalhem por conta própria, como autônomos ou são donos de seu próprio negócio. Mas nem aqui nem na Holanda, existem salários desse valor.

A diferença que existe nos anos de estudo e tipos de diploma que cada um consegue é até onde ele pode chegar em sua carreira. Normalmente, os cargos pedem requisitos diferentes e na descrição de cada um é exigido um tipo de diploma específico. Por exemplo, eu me lembro que uma conhecida brasileira teve seus estudos convalidados e seu título universitário brasileiro foi considerado HBO, ou seja, um nível de Hogeschool, o segundo mais alto. Quando ela conseguiu emprego num hotel, o seu chefe lhe mostrou o organograma da empresa e disse: você vai poder crescer aqui na empresa e um dia chegar a ser gerente. Você nunca vai poder ser diretora, porque o seu estudo não é de nível universitário. Provavelmente, ela nunca conseguiria ser diretora de todas as formas, afinal, numa empresa existem um monte de funcionários e só um diretor. Mas no caso do mercado de trabalho arubiano e holandês, o diploma determina até onde você pode chegar.

E existem muitas pessoas que optam por não seguir o caminho dos estudos superiores ou universitários simplesmente porque não tem vontade de estudar mais anos ou por pura vocação.

Graças a esse tipo de mercado de trabalho, as profissões mais básicas não tem um estigma de inferior ou são desvalorizadas socialmente. Um jovem pode perfeitamente decidir que quer ser bombeiro ou cozinheiro sem que isso seja considerado um problema. Tenho um exemplo na família: eu tenho uma sobrinha que sempre quis ser policial. Eu me lembro que quando ela tinha 7 anos já dizia que quando crescesse queria ser policial. Todo mundo achava engraçado e bonitinho, mas 9 anos se passaram e ela não mudou de idéia. Ela sempre foi uma aluna brilhante, uma das melhores da classe e atualmente está no penúltimo ano do ensino médio de tipo mais alto: VWO. Como ela tem potencial para ser mais do que policial de rua, ela vai seguir um tipo de estudo na Holanda que possibilite que ela vá até o topo da escala, que seria a superintendente de polícia de toda a ilha. Outro exemplo: um amigo de meu marido, estudou com ele o VWO e poderia ter ido à universidade. Mas seu sonho era ser taxista e quando ele terminou o ensino médio, resolveu conseguir a licença para dirigir táxi. Ele conseguiu bastante dinheiro com o táxi e resolveu abrir um negócio de aluguel de carros, junto com a esposa. Ele continua dirigindo táxi, que é o que gosta de fazer e sua família tem um ótimo nível de vida: passam as férias em Miami, como bom arubiano e sempre tem carros novos.

Eu acho que a grande vantagem desse tipo de sociedade é que os jovens não são obrigados a se enquadrar no esquema de fazer universidade “para ser alguém na vida”. Eu vejo que muitos jovens no Brasil, acabam perdidos porque não se identificam com o caminho universitário. Eu acho uma pena que esses jovens não possam ter seus horizontes tão amplos como os daqui, que podem decidir ser taxistas ou policiais sem que isso seja motivo de escândalo na sociedade.

10 ideias sobre “Estudos superiores II

  1. Pingback: Aruba e o reino holandês | Guia de ArubaGuia de Aruba

  2. A Suíça tem um sistema semelhante. Existem escolas técnicas superiores chamadas Fachhochschulen (deve ser o mesmo que hogescholen) e duas escolas politécnicas (uma em Lausanne e outra em Zurich). Tem também as universidades cantonais.

    No nível médio existe a aprentissage. Acho que, mal traduzindo, seria um curso técnico profissionalizante. Mas ela não permite que você ingresse numa universidade, pois para isso tem que ter cursado o “segundo grau” num gymnasium.

    Acho que é isso. Morei lá um ano e nunca entendi muito bem o sistema. :)

    • Que interessante, Flávio, eu não sabia que o sistema suiço era semelhante. Eu só sabia da Alemanha, que tem exatamente o mesmo sistema que o holandês, tanto que, que eu saiba é o único país que os diplomas são convalidados automaticamente. 😉

  3. Entrei na faculdade pública com 17 anos e sem a certeza do que fazer, passaram-se quatro anos e eu ainda não consegui me apaixonar pela área. Planejo ingressar num cargo público, já comecei a me preparar. Contudo, meu sonho é ter meu próprio negócio, criar projetos do zero e valorizar meu potencial de trabalho. Um sonho antigo que se arrasta desde o fundamental.

    No portal IG há uma matéria informando que o Brasil tem mais faculdades de direito do que todos os países no mundo juntos. Com certeza, a educação no Brasil virou negócio, e não só no ensino superior. Reflexo da má gestão do nosso governo, independentemente do partido maior.

    Parabéns pelo blog, muito interessante e informativo.

  4. O controle eu acho que não existe mesmo, os donos de faculdade particulares são ricos!
    Mas pois é…são justamente esses “universitários” que vão ocupar cargos que exigem menor escolaridade. Vai ser difícil encontrar um motorista de táxi ou um barman formado na UFRJ, mas formado na Estácio encontra facinho…não é? Não passam em concurso algum. é só ver as estatísticas.
    E o povo é feito de otário mesmo…pagam caríssimo e pensam que tem um diploma que vai dar um salário compatível.

  5. Não deu pau, não Adriana! 😉

    Comentando o seu post: uma vez eu li horrorizada que no Brasil abria-se uma universidade POR DIA. Eu suspeito que nem esse controle da primeira vez que você mencionou existe. E imagine o tipo de profissional que sai de lá?!

  6. Bel, eu acho que o mercado brasileiro comporta sim. O problema é a mentalidade das classes dominantes, donos de empresa e prórpio governo que não controla.
    Por exemplo, as faculdades particulares no Brasil têm que ter um determinado número de docentes com mestrado e doutorado. O governo inspeciona uma vez e acho que depois nunca mais. Daí eles contratam o número necessário para aprovar o curso, passam na tal vistoria e depois demitem todos pra poder pagar salários mais baixos a pessoal menos especializado e poder ter lucro.
    E saindo dos grandes centros do SE, tem mercado pra muita gente com nível superior (vai até faltar). Não vive faltando médico, dentista e professor em cidades do interior, no NE, N etc? agora tá faltando engenheiro tb até no Rio!
    HBO e Universidade normalmente valem no Brasil (mas teria que avaliar o conteúdo do curso, normalmente precisa de complementação). Nem todo mestrado na Holanda é aceito no Brasil porque o sistema é diferente (na Holanda nò existe defesa pública de mestrado, pois faz parte do bacharelado e isso o Brasil nào aceita, por exemplo).

  7. Obrigada pela ajuda, Adriana! Às vezes eu fico na dúvida se as pessoas vão entender como funciona porque tanto a mentalidade quanto o mercado de trabalho são TÃO diferentes. Às vezes as pessoas me escrevem perguntando: uma pessoa formada na Holanda pode enfrentar o mercado de trabalho no Brasil? E eu não sei nem como começar a responder isso. Ou alguém que diz: mas todos os meus amigos tem curso universitário! Mas em que eles trabalham? Está cheio de universitário que trabalha de garçom ou vendedor porque o mercado brasileiro não comporta tanta gente com formação superior.

  8. oi!

    Legal esse post :)
    Só pra dar uma ajuda: HBO forma bacharéis e é equivalente à curso superior no Brasil. Mas algumas carreiras são consideradas mais “práticas”e menos “acadêmicas”, como por exemplo fisioterapia, engenharia…daí vc só encontra esses cursos em HBO. Já o que chamam de universidade aqui na Holanda, são as carreiras mais acadêmicas: biolgia, matemática, física, medicina, direito.
    Aquestào salarial está muito bem explicada. Eu gosto muito desse sistema onde não se tem uma diferença salarial grande, como é o caso do Brasil.

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